VIRTUDES DOCENTE

14/02/2012 15:18

        Há mais de 25 séculos surgia a “Arte da Guerra”, obra do general e escritor chinês Sun Tzu, na época, um manual sobre estratégia de combate, trazendo uma conotação notadamente belicista com ensinamentos destinados à obtenção de vitórias e conquistas militares.

         Hoje, as reflexões de Sun Tzu podem ser destinadas a outras ações, outras leituras, novas práticas. Quando afirmava que “A autoridade do comandante se apoiava nas virtudes da sabedoria, justiça, benevolência, rigor e coragem”, Sun Tzu o fazia tendo em vista as circunstâncias da guerra; mas atualmente, nós professores podemos fazer uma releitura dessa mensagem, utilizando-a como referencial para o mundo da educação, para a melhoria do ensino-aprendizagem. Nesta perspectiva, percebemos o professor como o comandante, o grande líder.

         A virtude da sabedoria deve estar sempre presente no educador. O professor age com sabedoria quando proporciona aos seus alunos as habilidades e competências para produzir conhecimentos visando à solução de questões e problemas que a vida oferece. O professor sábio acredita na educação como instrumento para a melhoria de vida das pessoas, como caminho libertador da opressão e das estruturas desumanizantes. O professor sábio vive a dialética e despreza a compreensão metafísica e imobilista do mundo e das pessoas. O professor sábio conhece os seus alunos, não apenas no plano cognitivo, mas também nas dimensões emocional, afetiva e social. O professor sábio, enfim, vivencia com seus alunos não apenas os conteúdos conceituais, mas também os procedimentais e atitudinais.

         A virtude da justiça não pode ser desprezada no contexto escolar.  O processo educativo, para tornar-se profícuo, exige do professor a compreensão do universo discente: a realidade socioeconômica dos seus alunos, como eles conhecem, o que acham de si, como o mundo parece para eles, suas buscas. Compreendendo o mundo do aluno, fica o professor mais consciente quanto à necessidade de uma prática pedagógica alicerçada no diálogo e no conhecimento dos avanços e dificuldades existentes entre os alunos. Não age com justiça o professor que privilegia alguns alunos em função da classe social, do melhor desempenho escolar, da semelhança com a sua visão de mundo, da opção religiosa, da preferência político-partidária, enfim de outras subjetividades que obstam a melhoria do ensino-aprendizagem e, por conseguinte, contribuem para a conservação do subdesenvolvimento.  Toda a prática preconceituosa nega o ser humano e a democracia. Ao professor cabe a ação de eliminar o preconceito, vivenciando exemplos de respeito à diversidade e combate à desigualdade. 

         A virtude da benevolência é imprescindível ao ato educativo que se pretende produtivo e formador do homem cidadão. Educação exige compromisso e amor. Mas o amor não deve ser apenas proclamado, exaltado, mas vivenciado e praticado, sobretudo com os alunos e em todo o ambiente escolar. A estima e afetividade são práticas que nós professores não podemos deixar de vivenciar. Ser benevolente e agir com estima não significa ser permissivo e deixar que a prática pedagógica aconteça divorciada da disciplina e do respeito mútuo. O ato docente não exclui a prática do amor e do carinho para com os alunos. “A efetividade não se acha excluída da cognoscibilidade,” como dizia Paulo Freire. É malevolência querer avaliar o aluno a partir do maior ou menor bem que tenhamos por ele. Age com malevolência o professor que busca o respeito dos alunos através da ameaça com redução de notas e de reprovação. Na verdade o que se obtém com tal prática é o temor, o medo, jamais o respeito e a aprendizagem. Essa postura revela mais a insegurança docente do que segurança na sua capacidade de educar. Estas práticas desprovidas de amor, afetividade e estima revelam a fragilidade, jamais competência e autoridade destes que se dizem professores.

         A prática docente exige o rigor quanto ao compromisso incondicional de educar visando à aprendizagem, ao desenvolvimento integral do aluno.  Ser rigoroso não exclui a possibilidade de ser flexível em relação às dificuldades de aprendizagem de alguns alunos. A virtude do rigor se verifica quando não abrimos mão do nosso respeito ao saber e à pessoa do aluno e do nosso compromisso de ensinar sempre atentos à prática da sabedoria, justiça e benevolência no ambiente escolar. O professor que busca ser rigoroso achando que é o dono do conhecimento e através de radicalismos, resistência ao diálogo e questionamentos dentro da sala de aula, caminha na contramão da educação, comete crime pedagógico; é aconselhável que se afaste do magistério. Sejamos, pois, rigorosos quanto a não aceitação dessa postura que é deveras frágil, ingênua e que não resiste à dialética do cotidiano escolar.

         Somente os medrosos e mal intencionados não acreditam na

educação como sinônimo de conscientização e transformação social.  “Educar pra quê, se esses alunos não aprendem nada, não sabem de nada”? Assim raciocinam os metafísicos, os espíritos anticientíficos, ou seja, aqueles que pensam e dizem que o mundo é o que está aí, e que qualquer tentativa de mudança seria total desperdício de tempo. Assim pensam os que se locupletam com o status quo e todos aqueles que são indiferentes às necessidades humanas por bem-estar.

        A educação é o primeiro passo para a conquista de uma sociedade mais humana. Mas a educação proporciona o pensamento e reflexão direcionados à ação, o que é deveras inquietante e incômodo para os donos da verdade, para aqueles que identificam o educar com preenchimento de documentos, como troca de papéis, com burocracia - ou “burrocracia” como afirmava o padre Vieira de Várzea Alegre - ou seja, como subordinação aos ditames de teorias e normas estanhas ao desenvolvimento do ensino-aprendizagem.

         Ao professor não pode faltar, enfim, a virtude da coragem. O trabalho docente, para tornar-se produtivo e formador do homem crítico, não pode se distanciar da ação conscientizadora, da ação que possibilita aos alunos, não somente a aquisição de conhecimentos, mas sobretudo a sua construção, o questionamento de idéias e teorias consideradas “eternas e absolutamente verdadeiras”. Coragem para assumir uma pedagogia que se alicerce na dialética, jamais numa pedagogia da aceitação da realidade como eterna e absoluta. O professor corajoso é aquele que proporciona aos discentes a descoberta, a consciência crítica e o conhecimento da realidade material (natureza e sociedade) a partir do seu vir-a-ser, do seu devir. Coragem para assumir, criticamente, o novo. Coragem para combater o desamor, a falta de compromisso e o espírito metafísico de todos aqueles falam de educação como sinônimo domesticação, aceitação e perpetuação dos ditames das determinações palacianas e dos gabinetes incessíveis. Coragem, enfim, para assumir, no dia da sala de aula, e em todos os momentos da educação, as virtudes da sabedoria, justiça, benevolência, rigor e coragem.

 

Dagoberto Diniz